sexta-feira, 25 de maio de 2012

Entre ordem e revolução, mulheres buscam um novo espaço no Egito


Elas temem que islamitas derrubem direitos adquiridos na era Mubarak.País vai às urnas em 1º turno para escolher presidente em votação histórica.

A notícia aborda a participação das mulheres nas decisões políticas, as quais estão lutando por 50% de representação no Parlamento. Ao mesmo tempo, ressalta a questão da intolerância de muitos homens islamistas que, apesar de lutarem pela democracia, são a favor do retrocesso da liberdade feminina, através da aprovação de leis islâmicas que comprometam a dignidade e os direitos civis das mulheres.

 24/05/2012 06h19 - Atualizado em 24/05/2012 às 12h50

Aldo Sauda, especial para o G1, no Cairo

Para a grande maioria dos egípcios, a derrubada do ditador Hosni Mubarak abriu grandes possibilidades para a construção de uma nova ordem social, mais adequada às demandas de grupos sociais politicamente marginalizados. Ao mesmo tempo, não são poucos os que acreditam que a janela aberta pela queda do presidente parece estar indo no caminho oposto àquele em que muitos dos mais árduos revolucionários acreditavam.
Em meio a debates em torno da proibição do direito das mulheres pedirem divórcio, da proibição de elas saírem de casa desacompanhadas de um homem ou da legalização da mutilação genital feminina, são compreensíveis o medo e a preocupação das feministas no Egito, em meio à primeira eleição presidencial do período pós-Mubarak, cujo o primeiro turno termina nessa quinta-feira (24).
Num ambiente único para se expressarem socialmente, as mulheres do país se encontram presas no dilema entre o apoio às antigas garantias da ordem pré-revolucionária e as incertezas e esperanças do Egito pós-Mubarak.

Um 8 de Março para esquecer

Era para ser um dia memorável. Menos de um mês depois da queda de Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011, o Dia Internacional da Mulher, no 8 de março, seria a primeira vez que aquela geração comemoraria sua data nas ruas. A última manifestação pública feminista no Cairo havia ocorrido quase 100 anos antes, em 1919.
A marcha, que aglutinava algumas centenas de pessoas, talvez até mil, continha algumas distorções. Além de uma quantidade grande de estrangeiros, a marcha tinha mais homens que mulheres, e muitos jornalistas. Caminhando pelas ruas do Cairo, muitas vezes sob insultos dos homens que com ela se deparavam, a marcha foi até o final de seu trajeto, na Praça Tahir, onde se tornou uma verdadeira cena de barbárie.
Mulheres se concentram para a manifestação do seu dia, em 8 de março, no Cairo (Foto: Aldo Sauda/G1)

Mulheres se concentram para a manifestação do seu dia, em 8 de março, no Cairo (Foto: Aldo Sauda/G1)

Ao chegar à emblemática praça, símbolo da revolta contra Mubarak, enquanto a manifestação se esvaziava, um grupo de homens crescentemente descontentes com o desenrolar dos eventos começou a cercar as mulheres e debater de forma calorosa com elas. Sob o argumento de que a manifestação atacava a família, desejava retirar os véus de suas mães e abandonar as crianças, os homens, que agora cercavam as mulheres, pareciam cada vez mais violentos. Quando um xeque islâmico se aproximou da discussão e declarou a manifestação um pecado, foi dada a luz verde para o ataque.
No meio da Praça Tahir, então simbolo da recém-conquistada liberdade nacional, em plena luz do dia na data marcada para comemorar as lutas sociais das mulheres, dezenas de homens atacaram fisicamente as manifestantes feministas.
Não houve estupro, porém todas as mulheres foram apalpadas por grupos de homens que tentaram despi-las. Enquanto as ativistas e alguns homens simpáticos à causa batalhavam no centro da cidade contra os agressores, o Exército e a polícia apenas assistiam, à distância, às cenas de horror.
“Foi a primeira marcha feminista em muito tempo, sabíamos dos riscos que corríamos”, disse May Kamalya, uma jovem revolucionária de 25 anos. “Porém, obviamente, quando diversos homens pegaram no meu corpo inteiro, tentando tirar minha roupa, a sensação foi de derrota.”

Um outro Dia da Mulher

Passado um ano do desastroso 8 de março de 2011, a manifestação ocorrida no ano seguinte foi caracterizada pelas organizadoras com um evento vitorioso. Em uma marcha muito maior que a do ano passado, contando com cerca de 5 mil ativistas, a manifestação, em vez de parar na Praça Tahir, terminou diante do Parlamento. Com uma presença feminina egípcia muito mais acentuada, a marcha possuía enquanto principal objetivo revindicar que a constituinte egípcia tivesse, no minimo, 50% de mulheres em sua elaboração.
Mulheres fazem fila para votar para presidente nesta quarta-feira (23) no Cairo (Foto: AFP) “A ausência de mulheres no Parlamento já está sendo sentida por todos”, disse Sally Zohney, que, ao lado de Mariam, participou ativamente na organização do 8 de Março. “A ausência de mulheres implica que ninguém está discutindo questões da saúde da mulher, de direitos de família e diversas outras coisas."
Dirigente da Baheya, uma organização feminista surgida no inicio deste ano, Sally tem mobilizado o movimento para a disputa da Assembleia Constituinte, que será selecionada pelo Parlamento.
“Quando inicialmente falamos em uma assembleia composta por 50% de mulheres, praticamente todos acharam a questão uma loucura. Lentamente fomos nos inserindo na mídia e nos espaços públicos com nossas discussões, e hoje, por mais a questão esteja longe de ser consensual, ela está presente em todos os debates.”





 
 Mulheres fazem fila para votar 
 nesta quarta-feira (23) no Cairo (Foto: AFP)
                                               
Fé revolucionária

Ao contrário de muitas de suas companheiras, Sally é profundamente otimista com relação ao futuro das mulheres no Egito. “Há uma revolução nas ruas, com capacidade de barrar qualquer ataque aos direitos das mulheres”, disse.
Mesmo frente a possíveis retrocessos históricos, como a abolição da lei que permite a mutilação genital das mulheres (chamada pelos islamistas como “circuncisão feminina”), Sally insiste em apontar para o enorme processo de transformação social, fruto do engajamento popular na política.
“Antes, durante os anos de Suzanne, ninguém discutia a questão do feminismo, dos direitos das mulheres. Hoje, o debate, a transformação da mentalidade, está aí. Esse processo é mais forte e poderoso que qualquer governo islamita, que certamente não conseguirá se impor sobre mulheres radicalizadas e politicamente organizadas” disse.


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